domingo, abril 12, 2020

Ide dizer aos meus irmãos

Vivemos dias de silêncio e de medo! Dias de morte e de incertezas em relação ao futuro. Mas hoje celebramos a ressurreição do Senhor e, por isso, celebramos a esperança. A esperança de que o Senhor está connosco e que, precisamente por isso, não devemos ter medo. A esperança de que, com o Espírito do ressuscitado, seremos capazes de vencer o silêncio e o medo.
Medo e desilusão são os sentimentos que as mulheres, segundo o evangelho de Marcos, sentem quando vêem o sepulcro vazio. Sentem-se paralisadas e, apesar de terem recebido o mandato de ir comunicar a mensagem aos outros discípulos, mantiveram-se em silêncio e “não disseram nada a ninguém” (Mc 16, 7-8). Elas são imagem dos discípulos, que ao longo do caminho que fizeram com Jesus, sempre manifestaram medo, que só Jesus os ajudou a ultrapassar (Mc 4, 41; 6, 50; 9, 6; 9, 32; 10, 32).
Devemos, portanto, pensar na forma como somos chamado a viver a vida nova do Senhor ressuscitado no quotidiano da nossa vida. O mandato de ir para a Galileia, onde Jesus precederá os seus discípulos, é dirigido também a cada um de nós hoje. É na Galileia da nossa vida que devemos viver a vida nova que o senhor ressuscitado quer partilhar connosco e, através de nós, com os que vamos encontrando nos caminhos da nossa vida. E que está bem ter medo, desde que estejamos perto de Jesus, porque com ele venceremos o medo e a tentação de permanecer em silêncio perante a urgência do anúncio.
A Galileia é o lugar onde Jesus iniciou o seu anúncio do reino; aí chamou os discípulos a segui-lo; aí foi sinal da presença do amor de Deus para tanta gente pobre, explorada e marginalizada, seja pelas autoridades políticas seja pelas religiosas; aí Jesus anunciou um reino alternativo questionando e contestando os poderes instalados; um reino de paz, justiça, solidariedade, perdão. Isto é, um reino em que as relações humanas são baseadas no valor que cada tem diante de Deus.
A Galileia são os nossos hospitais, centros de saúde e lares de idosos onde os profissionais de saúde tão generosamente se dedicam a servir o outro e levam em si esta esperança de que o medo e as incertezas não nos podem paralisar. É aí que é mais necessária uma palavra de esperança.
Ao refletirmos sobre a ressurreição de Jesus, somos tentados a ficar a “olhar para o céu” (Atos 1, 11). Isto é, somos tentados a colocar a nossa esperança numa vida para além desta, esquecendo-nos de que é aqui que somos chamados a viver a vida nova do ressuscitado. A esperança na vida eterna é fundamental para o cristão, pois aí seremos acolhidos no eterno abraço amoroso do Pai. Mas essa esperança serve de pouco àqueles que vivem uma vida de sofrimento e de dor neste mundo. E Jesus veio também para que este mundo fosse melhor, porque é neste mundo que a salvação ou condenação de cada um começa.
Na sua homilia de quinta-feira Santa, na Basílica de S. Pedro, o P. Cantalamessa fez-nos um desafio importante: “Deixemos à geração que virá, se necessário, um mundo mais pobre de coisas e dinheiro, mas mais rico de humanidade”. É este o grande desafio que nos é dado viver. Não nos deixemos paralisar pelo medo e pelo desespero! Ele está vivo, sim, e não nos deixa sozinhos.
Então, o convite do Senhor ressuscitado é de continuarmos a fazer caminho com Ele, na Galileia onde nos é dado viver, agora com a força do ressuscitado, porque ele está sempre connosco e nos dá a força para sermos também nós anunciadores da esperança. Nós carregamos connosco a vida nova do ressuscitado, e connosco carregamos também a esperança num mundo melhor que todos somos chamados a construir.
Fazer a experiência do ressuscitado depende da nossa atitude diante do mistério pascal! Com a paixão e morte de Jesus, podemos ficar em silêncio, paralisados pelo medo ou podemos também nós ir “dizer aos [seus] irmãos que partam para a Galileia” (Mt 28, 10); podemos fugir ou regressar ao início do nosso caminho de fé, que é o caminho com Jesus, agora fortalecidos pelo Espírito do ressuscitado. A experiência do ressuscitado dependerá sempre da nossa capacidade de renovar o compromisso de o seguir e, seguindo-o, ser sinal da sua presença viva para aqueles que, como na Galileia daquele tempo, se sentem hoje oprimidos, carenciados, injustiçados.
Assim, Jesus continuará sempre vivo! Vamos também nós para a Galileia continuar o caminho de Jesus e dizer a todos que Ele está vivo. Sim, ressuscitou! Aleluia!

domingo, abril 05, 2020

Viver a Esperança em tempo de pandemia

O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo, para que saiba dizer uma palavra de alento aos que andam abatidos” (Is 50, 4). Estas são as palavras que dão início à primeira leitura da missa de hoje, domingo da Paixão do Senhor. Ao celebrar a Eucaristia hoje, sozinho como o momento impõe, estas palavras ficaram a ecoar nos meus ouvidos e no meu coração; sim, hoje há tanta gente abatida e sem alento para enfrentar este momento difícil que todos vivemos. Mas é um momento de crescermos todos na esperança.
Não é aquela esperança de que tudo vai ficar bem! Não. Não vai ficar tudo bem. Vai morrer muita gente, vai haver muitas dificuldades a todos os níveis da sociedade, já há e vai haver ainda mais fome e muita gente sem as suas necessidades básicas satisfeitas. Já há e vai haver muito sofrimento humano. Mesmo aqui à nossa porta. Mas é aquela esperança que, embora confinados no pequeno espaço das nossas casas, não nos paralisa, mas torna-nos mais atentos às necessidades dos mais vulneráveis, enfim, nos torna mais solidários.
Na celebração do Domingo da Paixão do Senhor, tradicionalmente chamado Domingo de Ramos, há dois elementos importantes que ressaltam da liturgia e que refletem também o que aconteceu quando Jesus entrou em Jerusalém. Há uma passagem da euforia ao desalento, da exaltação de Jesus como o líder esperado ao abandono desse mesmo Jesus por parte dos seus discípulos. Há a passagem de uma manifestação de união motivada por uma fé entusiasta à mudança de atitude e dispersão daqueles que eram os mais fiéis amigos de Jesus.
A pandemia que nos aflige, veio fazer-nos refletir sobre a vida, a sociedade, e a forma como nós vivemos as nossas relações. Ela não poupa ninguém. Ninguém mesmo. A euforia do consumo e do bem estar que a nossa sociedade nos impunha (parecia que estávamos todos no topo do mundo!), deu lugar ao desalento, à falta de esperança, a uma incerteza medonha. Mas como em todas as crises, são os mais vulneráveis da sociedade que acabam por experimentar as piores consequências.
Alguém tem de ter uma palavra de alento e de esperança! Não a esperança daqueles que sentem a nostalgia de liturgias maravilhosas, com multidões a caminhar pelas ruas de palmas nas mãos, que infelizmente muitas vezes só fazem inchar o ego daqueles que as realizam. É a esperança que vem da fé naquele Jesus que mandou interromper a liturgia porque as relações entre vizinhos são mais importantes (Mt 5, 23-24). A esperança que vem daquele Jesus que nos ensina que, se for necessário, devemos interromper o nosso caminho para a igreja (para a liturgia!) de forma a podermos estender a mão a quem se encontra maltratado à beira do caminho (Lc 10, 29-37). É a esperança que vem da oração silenciosa do nosso confinamento que chega aos ouvidos do Pai (Mt 6, 6).
Neste tempo de dor e de sofrimento, de incerteza e até de desespero para muita gente, há quem pense o contrário. Quando oiço um colega padre dizer que o facto de não se celebrar a Eucaristia é sinal de pouca fé, porque Deus “pode” proteger-nos do corona vírus, mesmo se estivermos todos em contacto físico uns com os outros dentro de uma igreja, fico triste. E apetece-me dizer: não, Deus não pode proteger-nos! Porque Deus deu-nos a nós esse poder. O poder de Deus tem de ser levado à prática no quotidiano daqueles que acreditam em Jesus e de todos aqueles que não tendo fé, acreditam no ser humano e no valor da solidariedade. E o distanciamento social faz parte do exercício desse poder. Por isso, quando cada um está a fazer alguma coisa para melhorar a situação, impedir o alastramento rápido da pandemia, e minimizar o sofrimento humano de tantas irmãs e irmãos nossos, aí está Deus a exercer o seu poder. E para muitos, a única coisa que podem e devem fazer é ficar em casa. Deus poderia ter livrado Jesus da cruz. Mas não o fez, porque em liberdade, os poderes instalados decidiram o contrário.
Quanto à Eucaristia, essa é celebrada hoje pelos profissionais de saúde que servem sem reservas o Cristo presente nos doentes que tem de atender e que para isso renunciam às suas próprias famílias para estarem onde devem estar, na linha da frente, de forma completamente altruísta! A Eucaristia é celebrada hoje nos milhares de voluntários e voluntárias que servem Cristo na pessoa dos sem-abrigo e das famílias carenciadas, cuja única esperança está na chegada de um cireneu que lhes ajude a sentir que não estão sozinhos. A Eucaristia está a ser celebrada naquelas famílias que deixaram de trabalhar e não têm nada para dar de comer aos seus filhos. A Eucaristia é celebrada na pessoa daqueles que generosamente saem dos seu próprio confinamento para levar algo que dê esperança a essas irmãs e irmãos. A Eucaristia é celebrada na pessoa daquele velhinho e velhinha que, sozinhos em suas casas não têm o carinho de ninguém, nem algo para comer nem dinheiro para comprar os medicamentos de que precisam. A Eucaristia é celebrada por tantos filhos e filhas impedidos de ver os seus pais velhinhos e doentes nos lares e em suas próprias casas, ou nos velhinhos que tanto queriam dar um beijo ou um abraço aos seus filhos e netos e não o podem fazer. A Eucaristia está a ser celebrada hoje na pessoa daquelas irmãs e irmãos nossos que morrem sozinhos sem o carinho dum ente querido e sem a possibilidade de ter um funeral digno.
São todos estes que experimentam no quotidianos das suas vidas o caminho de Jesus em direção à cruz. É a entrega desinteressada de tanta gente que deve alimentar a nossa esperança. Neste momento é esta a verdadeira Eucaristia.
Esta semana Santa, não vai terminar na Sexta-feira Santa; Ela termina no Domingo da Ressurreição. Vamos sair mais fortes porque mais solidários! Vamos contribuir para construir um mundo melhor, uma sociedade mais justa e mais fraterna, olhando ao essencial de vida, que é fazer com que as nossas relações sejam mais justas, mais fraternas, mais solidárias e mais humanas. Vamos ser sinais, uns para os outros, da presença de Deus. Assim, todos sentiremos que não estamos sozinhos porque Ele, através de cada um de nós, está presente.

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