terça-feira, março 10, 2009

Vinde e vede!

Na aldeia todos me chamam Joana. E toda a gente fala de mim, ultimamente. Falam com razão, porque ultimamente tenho feito um monte de disparates na minha vida.
Às vezes dou comigo a matutar; eu sei que há tanta gente que faz muito mais disparates do que eu; e muito maiores. Mas entre o meu povo, é suficiente nascer mulher para deixar de se ter direitos. Nós não contamos para nada. É isso mesmo! Não contamos mesmo para nada! É preciso ter mesmo pouca sorte para se nascer mulher!
Mas hoje estou muito feliz. Há dias tinha ido a casa do carpinteiro cá da aldeia – Jesus, creio que o conhecem – para me vir arranjar a porta da minha casita que estava completamente estragada. Jesus veio concertá-la esta manhã.
Com ele vieram também dois jovens que o acompanhavam. Ao princípio pensei que fossem seus trabalhadores. Mas não trabalhavam. Não faziam outra coisa que olhar para Jesus enquanto trabalhava. Para Jesus e para mim!
De facto, dava gosto olhar para Jesus e vê-lo trabalhar. O modo como ele tratava a madeira, o carinho com que martelava os pregos (é que também se podem martelar pregos com carinho, sabiam?). Eu nunca tinha visto ninguém trabalhar assim. Jesus trabalhava como se estivesse a relacionar-se com a madeira e com as ferramentas. Estávamos todos pasmados!
Um dos jovens que tinha vindo com Jesus olhou à sua volta por toda a minha casa como se estivesse à procura de alguma coisa, e veio poisar o seu olhar sobre mim. Fiquei corada. Pensei que ele tivesse sido atraído pela minha maneira de vestir provocadora, e estivesse a olhar-me com segundas intenções! Eu sempre penso isso de todos os homens que me olham! Mas o seu olhar era diferente.
De Jesus eu já tinha ouvido falar muito durante o período que ele esteve ausente da aldeia. Diziam que ele tinha ido estudar as Escritura e que se tinha tornado num homem muito estranho. Mas ao ver este jovem olhar para mim desta maneira, como quem estava grandemente preocupado comigo, comecei a pensar que talvez ele fosse um dos seguidores de Jesus, e que já tinha aprendido muito com ele.
Imaginem só! Eu que estava tão habituada a ser olhada com malícia pelos homens da aldeia! Sentia agora que havia outra maneira de ser olhada, sem interesse e sem malícia. Senti-me tão diferente! Senti uma coisa cá dentro, que parecia um fogo abrasador. Era tudo tão estranho, mas tão bom!
Um dos jovens disse-me ao ouvido, que eles tinham vindo ver Jesus porque tinham ouvido falar dele. Mas que agora estavam pasmados com o que tinham testemunhado neste primeiro dia com ele. Encontraram-no ontem e quiseram ver onde ele morava. Disse-me também que Jesus lhe dissera que se o quisessem conhecer teriam que ir e ver mais de perto como é que ele vivia. Continuamos, por alguns momentos a olhar-nos mutuamente. O outro jovem seguia cada movimento de Jesus.
Enquanto trabalhava, Jesus ia falando assim meio sozinho, “Felizes os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus”. Eu não entendia muito bem o que ele dizia. Neste momento estava eu a dar voltas à minha cabeça para encontrar maneira de pagar pelo serviço.
Tentei dizer alguma coisa, mas Jesus interrompeu-me com um sorriso acolhedor que me penetrou o coração e me deixou completamente sem palavras.
“Agora tens uma porta nova, Joana”, disse Jesus. Eu sabia que não encontraria nada com que pudesse pagar a porta nova da minha casa, e Jesus entendeu isso. “Não te preocupes, Joana”, disse Jesus, “eu trabalho gratuitamente”.
Eu não cabia em mim de contente. Agora, a minha casa tinha uma porta nova, que era sinal da passagem por ali de alguém diferente, que tinha deixado marcas no meu coração e me tinha feito sentir profundamente acolhida.
E, mais importante do que tudo o resto, em minha casa vivia agora uma mulher diferente.

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