domingo, maio 23, 2010

O Chacal espertalhão

“Auú, auú, auú, meus meninos,” disse Gogo. “Sabem, esperteza é uma coisa muito importante que todas as pessoas devem ter! É que a esperteza ajudou Nogwaja uma vez a sair do caldeirão!”
“O chacal também é um animal muito esperto, não é Gogo?” perguntou o pequeno Sipho, que era muito orgulhoso da sua alcunha Mpungushe (mpoo-ngoo-she = chacal). A verdade é que Gogo lhe tinha dado aquele nome por causa de um grande grito que ele deu quando ainda era bebé. Sipho gostava de se convencer a si próprio de que era tão ágil e rápido como o chacal.
Gogo deu uma gargalhada e, olhando para o miúdo disse: “Sim, meu rapaz! Tens razão! O chacal é um animal muito esperto. Às vezes até é esperto de mais”.
“Lembro-me como ele ajudou Jabu, o pequeno pastor, fazendo com que Bhubesi voltasse a cair na armadilha. Gogo, conta-nos mais uma história sobre o Chacal”, suplicou Sipho. “Sim, Gogo,” pediram em coro os outros netos. “Por favor, conta-nos…”
“Está bem, meus meninos. Mas escutai e aprendei!” Gogo acomodou-se. “Kwsuka sukela…”
Era uma vez um chacal que caminhava apressado por um carreiro estreito entre as rochas. Como de costume, mantinha o seu focinho junto ao chão e farejava. “Nunca se sabe quando terei a minha próxima refeição,” pensava consigo próprio, embora fosse pouco provável que encontrasse algum rato no calor do meio-dia. Mas talvez pudesse apanhar uma lagartixa ou duas.
De repente apercebeu-se de algum barulho à sua frente no carreiro. “Oh! não!” Chacal murmurou parando imediatamente. O senhor Leão vinha a caminhar na sua direcção. Apercebendo-se de que estava demasiado próximo para escapar, Chacal ficou aterrorizado. Já tinha pregado tantas partidas ao grande Bhubesi no passado, que tinha quase a certeza de que o leão iria aproveitar para se vingar. Num instante, Chacal pensou num plano.
“Socorro! Socorro!” gritou o Chacal. Agachou-se, olhando para as rochas acima dele. O Leão parou surpreendido.
“Socorro!” O Chacal uivou, usando o medo que sentia no seu peito para dar ainda mais força ao seu grito. Chacal deu uma olhadela a Bhubesi. “Ó grande Nkosi! Socorro! Não há tempo a perder! Vês aquelas grandes rochas lá em cima! Estão mesmo a cair! Vamos ambos ser esmagados!!! Ó grande Leão, faz qualquer coisa! Salva-nos! Chacal agachou-se ainda mais com medo, cobrindo a sua cabeça com as patas.
O Leão olhou para cima, muito alarmado. Mesmo antes de ele ter oportunidade de começar a pensar, o Chacal começou a implorar-lhe que usasse a sua força para segurar a grande rocha que parecia estar para cair. Então o Leão encostou o seu ombro acastanhado contra a rocha e começou a puxar para cima.
“Oh! muito obrigado, grande Rei!” uivou o Chacal. “Eu vou depressa buscar aquele tronco ali em baixo para colocar debaixo da rocha, e ambos estaremos salvos!”
Num instante, o Chacal desapareceu. O Leão ficou ali sozinho aflito debaixo da rocha firme. O tempo que ele ficou ali, antes de dar conta que este era mais um truque, nunca o saberemos. Mas, uma coisa sabemos: o Chacal continuou a viver divido às suas habilidades.
História tradicional Zulu

quarta-feira, maio 19, 2010

Novos desafios

 Kanyanga é a nova missão confiada aos Missionários Combonianos na Zâmbia. Fica situada no vale do Rio Luangwa, numa zona remota do país, a cerca de 820 km de Lusaka, habitada por gente extremamente pobre. O trabalho missionário aí desenvolvido é essencialmente de primeira evangelização e desenvolvimento social.
Esta missão fora iniciada pelos Padres Brancos em 1954, mas posteriormente abandonada, durante muitos anos, por falta de pessoal. A sua gente em geral e os cristãos em particular, vêem agora, com esperança, o início de uma nova era.
A comunidade comboniana de Kanyanga foi oficialmente aberta no sábado, 1 de Maio e a entrega da missão aos Missionários Combonianos foi feita no dia seguinte. Formam a nova comunidade os padres Rodolfo Coaquira (peruviano) e Rúben Bojorquez (mexicano). O P. Dário Chaves, superior dos Missionários Combonianos no Malawi/Zâmbia, esteve presente na abertura da nova comunidade e na passagem do testemunho.
Em Kanyanga existe também um pequeno hospital dirigido por uma congregação missionária que já se encontrava aí, antes da chegada dos Missionários Combonianos.
“Sabemos que temos muitos desafios pela frente,” dizia-me o P. Rúben, “mas estou muito contente por ter sido enviado para aqui”. De facto, os desafios são enormes, pois não há infra-estruturas, estradas, electricidade, etc. Por isso, sobretudo na estação das chuvas, a actividade missionária é muito limitada. Mas isso não incomoda os dois missionários, que iniciaram já a visita porta a porta aos cerca de sete mil cristãos que formam as comunidades cristãs de Kanyanga.
Apesar de todos os desafios, há sempre muito trabalho que fazer. Mas, “o mais importante,” dizia o P. Rúben, “é gastar o nosso tempo e a nossa vida com esta gente.”
O missionário não pode perder o espírito de aventura que caracteriza o voto de obediência. Partir para situações sempre novas com a convicção de que é aí que o Senhor nos quer. Boa missão para o Rúben e o Rodolfo. Um destes dias, quem sabe, vou juntar-me à comitiva!


segunda-feira, maio 17, 2010

Na paz de Jesus

Quando o senhor Nsofwa me veio chamar para ir visitar Albert Banda que, segundo ele, estava para morrer, partimos imediatamente. Eram três da tarde e fazia muito calor! Ponho o meu boné e pego na mochila. Eram só cerca de quinze minutos a pé para chegar à pequena casa onde Albert vivia com a sua esposa Judith e os seus dois filhos pequenos.
Ao entrar na pequena casa, vi-o deitado, no sofá velho e gasto, muito agitado e repetindo palavras que ninguém podia perceber. Movia-se continuamente e respirava com muita dificuldade! O sofrimento era bem visível no seu rosto. Fiquei em silêncio por alguns momentos. Para dizer a verdade, não sabia que dizer. Percebi que estava para morrer.
Rezámos juntos durante alguns momentos. Mas o silêncio parecia ser a única oração com sentido. Albert continuava muito agitado.
Enquanto rezávamos, os meus olhos percorriam o pequeno quarto, meio escuro, em que nos encontrávamos. A pouca luz que havia, passava por uma pequena janela sem vidros, mesmo junto ao lugar onde Albert se encontrava. Os meus olhos pousaram em Judith, a sua esposa que, sentada no chão, permanecia em silêncio com as lágrimas nos olhos.
Quando lhe peguei nas mãos para o ungir com o óleo dos enfermos, Albert ficou em silêncio. Depois, recebeu a comunhão com muita dificuldade ajudado por um pouco de água que lhe foi dada numa caneca de plástico azul que Rosária, a mãe de Judith, lhe trouxera. Algo extraordinário aconteceu. De repente, Albert parecia ter recuperado uma paz profunda: olhou para mim, começou a respirar normalmente, em silêncio, e ficou sossegado.
“Zikomo abambo” dizia Judith ao despedir-se de mim, “munamletera mtendere wa Yesu.” (Obrigado, padre, trouxeste-lhe a paz de Jesus). Parti com lágrimas nos olhos e um nó na garganta. Albert, Judith e os seus dois filhos pequenos no pensamento. Uma semana depois Albert morria… sereno!
Albert pertencia a uma família de políticos que, nunca quiseram saber dele enquanto esteve doente. Na altura do funeral não deixaram que a comunidade cristã organizasse o funeral religioso, contrário à prática dos crentes, não só aqui na paróquia de Lilanda mas na Zâmbia em geral. Por isso, não deixaram que o corpo viesse à igreja.
Quatro ou cinco dias depois do funeral, Judith, agora viúva, entrou no meu escritório com as lágrimas nos olhos. Os olhos inchados mostravam as consequências de várias noites sem dormir e muitas lágrimas derramadas. Para os crentes, não realizar a vontade de alguém que morre é assunto muito sério. E Albert era um homem de muita fé que, mesmo no pico da sua doença, só com muita dificuldade deixava de vir à igreja. Esperava certamente um funeral cristão!
Depois de me explicar como tinha decorrido o funeral, e como os parentes do marido não quiseram ter nada que ver com a igreja, Judith manifestou o desejo de fazer algo para que o seu marido, e ela também, estivessem em paz com Deus, uma vez que ele manifestara o desejo de ter um funeral cristão.
Então sugeri que celebrássemos a missa por ele e que alguns dos ritos fossem também celebrados. São de particular importância os discursos que se fazem para dar a conhecer a vida do defunto, sobretudo a sua vida cristã. Assim ficou combinado. Celebrámos o seu funeral na igreja mesmo se ele já não estava lá. Judith e os seus dois meninos ficaram contentes e em paz.

terça-feira, maio 04, 2010

O Crocodilo Mágico

Quero que Zikomo seja também um espaço de divulgação da cultura africana. Por isso, inicio aqui a publicação de algumas histórias e provérbios africanos. Algumas destas histórias são traduzidas do site da revista comboniana New People, que é publicada em Nairobi, Quénia. Estas histórias e provérbios contêm uma sabedoria que se está a perder na nossa cultura ocidental. Creio que todos podemos aprender muito da cultura oral africana.


O crocodilo mágico
Era uma vez uma caverna. Estava dividida em duas partes, a parte de cima era seca e a parte de baixo tinha água. Na parte de baixo vivia um crocodilo. O crocodilo não vivia sozinho na caverna, pois havia vários animais que viviam lá. Viviam todos na parte seca da caverna e havia também várias outras criaturas que viviam na parte que estava cheia de água. O crocodilo passava a maior parte do seu tempo na água, mas às vezes saía da caverna para um passeio.
Um certo dia um caçador aproximou-se da caverna à procura de animais. Então viu o crocodilo a descansar ao sol à entrada da caverna. O caçador apontou o seu arco e flecha ao crocodilo, mas ficou imediatamente cego. Quando o caçador deixou cair a sua flecha do arco os seus olhos abriram-se novamente. Então viu o crocodilo rir-se com prazer por causa da esperteza do seu truque.
O caçador não ficou ali muito tempo, mas correu para sua aldeia e contou a toda a gente o que se tinha passado. “Quando apontei a minha flecha ao crocodilo fiquei cego”, disse o caçador. Toda a gente na aldeia ficou muito eufórica e, quase metade dos aldeãos, pegaram nos seus arcos e flechas e correram para a caverna.
“Vamos caçar o crocodilo” gritaram em coro. Quando os aldeãos chegaram perto da caverna viram o crocodilo no mesmo lugar onde o caçador o tinha visto, a descansar ao sol à porta da caverna. Quando começaram a apontar os seus arcos e flechas ao crocodilo, ficaram cegos. “Tirai as vossas flechas dos arcos”, disse o caçador. Quando o fizeram, os olhos dos aldeãos começaram a ver novamente.
“Nenhum homem me pode fazer mal”, gritou o crocodilo, virando-se para os aldeãos. O crocodilo saiu do seu lugar e entrou na caverna onde todos os animais o elogiaram por os ter protegido.
“Viveremos as nossas vidas na nossa aldeia”, disseram os aldeãos ao regressarem a casa desiludidos. “Aquele crocodilo ficará na caverna. Não podemos fazer nada para mudar isto”. Mas alguns jovens não ficaram muito satisfeitos. De vez em quando, um jovem corajoso tentava voltar à caverna determinado a matar o crocodilo, mas nunca o conseguiram.
“Ficai cegos com os vossos arcos e flechas,” disse o crocodilo. Naquele tempo, nem o crocodilo nem os aldeãos tinham alguma vez ouvido falar de espingardas.

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